Tag Archives: Inspiração

Uma espera tipográfica ou sobre como apagar lentamente os sonhos da escrita

24 jan
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Um flagrante de uma quase leitora em potencial

O sentimento seria o mesmo.  O sentimento seria REALMENTE o mesmo?  – Difícil precisar até para si mesma, nem mesmo procurando pelas reminiscências. Como saber que sensação teria  naquela época, após passados quase 20 anos ?  Que sabor doce, quantas batidas no coração, o brilho no olho pela conquista.

Para alguns poderia parecer algo tão ínfimo. Para ela não, relíquia pura, um desses tesouros sem preço definido em que se mostra aos amigos com orgulho. No entanto, com certos cuidados como não trazer à tona na hora das refeições, como durante o café para que ninguém ouse engordurar de manteiga ou sujar. Vá entender o valor de um jornal.

Quantas noites pediu ao Papai do Céu que fosse naquele domingo.  Acordava cedinho e pegava o jornal,  sobre a grama  do jardim.  E em um ímpeto egoísta, não anunciava a ninguém que o jornaleiro já passara. Simplesmente rasgava o saco plástico, ainda sentada na calçada  e  procurava pelo suplemento infantil.   Em vão. Uma paciência de Jó lhe faltava.  Quase um ano de espera e uma esperança miúda por demais, apertava por dentro. Tanto que só saiu publicada a redação, quando a pequena já descansara o entusiasmo. O que não a impediu de ter essa felicidade em mãos e guardada pelos olhos dentro do coração.

O texto escrito em caligrafia cuidadosa veio ao mundo em uma tarde de sábado, durante um concurso de Redação no Shoping Iguatemi. Tempos longínquos, final dos anos 80! Mas, foi algo que a marcou. Levou algum tempo para redigir, pensar nos diálogos,  buscar as palavras. Talvez a mãe tenha ido às compras e deixado a menina ali por enquanto, onde já se viu quebrar tamanha inspiração?

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Sonho de consumo: hotel exclusivo para escritores

13 jan

Sem despertador, um sono tranqüilo. Nada de burocracias, a única obrigação escrever. Deixar florescer a inspiração, fluir o texto adormecido na mente pela falta de sossego. Produzir, produzir, sentado na relva, diante de uma janela com uma vista perfeitamente feita por Deus… Organizar as idéias no passeio matinal no bosque, a trilha sonora de passarinhos. Encontrar insigths em meio as coisas simples. Uma atmosfera inspiradora.

O casarão onde morou a escritora Marguerite Yourcenar

O casarão onde morou a escritora Marguerite Yourcenar

Sem trabalhos domésticos a se preocupar, telefonemas para atender. Nada que importune. A comida prontinha, culinária requintada – sempre francesa. Sentiria falta da boa tapioca, do queijinho coalho. “Bonjour!” cumprimentar-me-ia a governanta todas as manhãs. Dois meses de sonho, o ar fresco Europeu, norte da França, Bretanha, pertinho do mar. E o melhor de tudo, contas pagas da hospedagem com a ajuda do governo local.

Quem não encontraria inspiração para terminar um livro em um lugar como este...

Quem não encontraria inspiração ?

Este lugar existe! Ao contrário do Brasil, onde a maioria dos escritores ao tem seu devido reconhecimento, a Europa cuida tanto que até paga estadia para seus trabalhadores das letras em um hotel exclusivo. É o Hotel Villa Mont Noir, residência onde a escritora Marguerite Yourcenar morou durante a infância. A estádia é por até 2 meses.  O Villa Mont Noir fica na recebe dois escritores de cada vez, há uma governanta que cuida das refeições e assuntos domésticos.

Pouco a pouco, o programa começa a se abrir para autores de outros países, com a condição de que tenham algum livro publicado/traduzido na Europa. É aberto para todo tipo de literatura –crônicas, poesias, teatro, ensaios, estórias infantis e etc.) Os livros devem ser publicados por editoras profissionais e não pelo próprio autor. Trabalhos de pesquisa universitários não estão incluídos no programa.

[ Li sobre isso em uma coluna na revista Discutindo Literatura , fui pesquisar na internet e encontrei o mesmo texto em alguns blog,  que de algum lugar copiaram mudando apenas algumas palavrinhas. No Blog Pausa do Tempo, de onde tirei algumas informações, encontrei um link direto para o Hotel Villa Mont Noir. ]

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As inscrições para o programa podem ser feitas até o dia 30 de janeiro.

Documents for the file of application:

1. Registration form

2. Commitment form, dated and signed

3. Typed biobibliographical description in French (2 pages max.)

4. Typed letter of motivation in French (1 page max.)

5. Four copies of your last published work

6. Four copies of another one of your books, representative of your artistic approach

(For authors who do not speak French, works published in French or significant extracts translated into French)

7. Typed summary or synopsis of the manuscript for which you are requesting the writer-in-residence place (1 page max.)

8. Press reviews concerning your publications (choice of 5 articles max.)

English version: download the application form

Crônica visitante

16 dez

Palavra, para que te quero?

Adísia Sá

 

 

Ando meio “cabreira”, de repente me vejo cercada por algo que não estava no meu universo: a falta de palavra.

 

Sei que sou das antigas, criada numa família onde o “sim” era sim, o “não”, era não. Meu pai não admitia que se inventasse desculpas por algo prometido e não cumprido, tampouco aceitava o “vou pensar”… “é possível” … “tudo bem” em referência a palavra empenhada. Talvez eu esteja superada ou tudo aquilo que meu pai dizia era papo de gente das “outrora”. O certo é que sou deste tipo de família onde a palavra era “código de lei”.

 

Costume de casa vai à praça. Pois foi o que aconteceu. De menina criada num lar de “palavra” passei a juventude sem alterar nada; ultrapassei a maturidade seguindo a mesma linha e estou hoje, na velhice, sem tirar nem por nada sobre o que aprendi e vivi ao lado de meus pais.

 

Soube, ao longo dos anos, que este não era traço só de minha casa, mas de membros da família Barros e, com absoluta ênfase, dos Sá. Mas, aqui não estou para louvar as minhas origens, mas para dizer do estado em que me encontro agora : envolvida por um clima de “desvalores”, onde o que é dito e garantido aqui, não vale nada ali, nem o que é afirmado como “verdade”, não passa de doloroso equívoco. As pessoas afirmam uma coisa aqui e ali ou pouco depois, não concretizam nada do que foi garantido.

 

“Volto a telefonar, logo mais.” Você ligou? “Garanto a você que estou preparando o material. Estou enviando…” Você mandou? “Aguarde, que o mensageiro chega já.”. Seu mensageiro foi mandado?

 

Este clima de falta de palavra me cerca, me sufoca, me deprime, me envergonha. Também a você?

 

Você é ainda do tempo em que a palavra era dogma de fé… questão de honra… marca registrada de gente ?

 

Por favor, não responda: continue gente…

 

ADÍSIA SÁ

Jornalista

 

 

                       

Fonte: Jornal O POVO , 16 de dezembro de 2008

 

P.S. Também ando sem palavras professora!