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Crônica Visitante – Protesto de Arleni Portelada à favor do Poeta Waldir Rodrigues

22 ago

                      Sob o manto de Eça

                     Eça de Queiroz, caracterizou o seu romantismo com o manto diáfano da  fantasia sobre a nudez forte da verdade. E ainda hoje os poetas, os sensíveis abrigam-se nele, não contra a verdade esclarecedora, honesta, luminosa; mas aquela desnecessária e cruel, morfoseada pela estupidez humana matéria prima fartamente produzida e etiquetada nos tempos modernos. O seu manto, patrimônio abstrato dos românticos insistentes, é também uma bolha de oxigênio, através da qual ainda respiram as propostas de amor, paz e justiça social em forma de verso e prosa. É uma palma de proteção à fagulha da resistência poética, de onde pisca a luz do desejo alucinado de manter viva, “a filha prostituta das artes: a Poesia”. 

                   A gente sabe (diz Vinícius), que nenhum poeta trocou um poema por um prato de comida, como bem ou mal fizeram alguns pintores com seus quadros; e não foi por falta de fome. Ronda sempre a poesia, a vontade de comer, de ter, de ser, de aparecer sorrindo na “boca da vida” e não aos prantos, implorando ou protestando nas praças. O tempo das sentenças em subcódigos, interdependente de uma tecnologia, que não fez da felicidade o ícone da existência humana, não teria como promover novos poetas, não saberia cultuar memórias, não poderia capturar os sobreviventes.

                 Nem nos iluminados Ministérios se fez a prometida evolução da Cultura nos projetos políticos; nem por Lei de Apoio se concedeu à Poesia, o sonhado ingresso ao Salão Vip das Artes. Está no seu direito portanto, uma festejada universidade do Ceará (UNIFOR),considerar demérito receber em suas prateleiras a obra de um poeta nordestino, ainda que reconhecido, editado e publicado em alguns países da Europa.

                O livro “Sementes de Poesia” de Waldir Rodrigues, o oitavo de sua lavra, foi enviado àquela biblioteca provavelmente por outro poeta bem intencionado e admirador do autor. Mas, o que me levou à ira foi a atitude da Bibliotecária Gerente, dando-se o trabalho de redigir uma declaração pobre, de cinco linhas,informando não se interessar pelo livro e sua intenção de livrar-se dele, destinando-o às bibliotecas públicas. – Não precisava constranger o poeta auto-patrocinador de toda a sua obra, sem jamais ter vendido um só volume.  São todos doados a entidades filantrópicas, aos amigos e apreciadores de poesia. – Não precisava fragilizar o emocional do homem, se o seu físico já se debate com sérios problemas em sua saúde, não precisava. O acinte formal em nome da UNIFOR à Poesia Brasileira Contemporânea, seria também dispensável. Nossos gestores oficiais da Cultura, fazem isso com muita competência, simplesmente ignorando-a.

                                                                                                                    Arleni Portelada

Crônica Visitante – Fórum de Literatura

1 fev

Há alguns anos, Murilo Martins e eu, fomos a Recife para um congresso de academias de letras do nordeste. Acorreu gente de diversos estados. Achei estranho que na noite da abertura à mesa diretiva só tivesse pernambucanos. Comentei com o Murilo. No dia seguinte, observei a mesma coisa. Só pernambucanos na direção das mesas e grupos de estudos e todos os demais nordestinos na platéia. Levantei-me e reclamei.  Foi um escarcéu. Conto este fato para dizer que, nesta semana, por iniciativa da Secretaria de Cultura do Ceará, houve uma reunião, previamente agendada, para se criar um Fórum de Literatura Cearense.

A conversa foi aberta, franca e todos tiveram vez. Não se agiu à moda pernambucana. Auto Filho parece ter auscultado o seu espírito gramsciano e agiu como um democrata.  A pauta foi discutida por todos, desde as secretarias de cultura do Ceará, de Fortaleza e de Maracanaú, academias Cearense e Fortalezense, grupos que publicam jornais culturais, autores, intelectuais, curiosos e até por membros do Clube do Bode, essa desinstituição – desinstituição mesmo – que comete cultura, vez por outra.

Pois bem, louvo o modo como todos se conduziram, sem pensar em hierarquia, discutindo, ponderando no todo e admitindo haver necessidade de repensar coletivamente a literatura cearense que, no dizer do Carlos Emílio Correia Lima, vanguardista e polêmico escritor, precisa se tocar e mostrar uma nova cara. Não dá mais para brincar de cultura e literatura, ou restringi-la apenas aos acadêmicos, tampouco se empanturrar com salgadinhos e bebidas em lançamentos contínuos de livros que são publicados e que não têm, na sua maioria, qualidade literária alguma.

É bom lembrar o célebre diálogo shakespeareano entre Polônio e Hamlet em que aquele pergunta a este: “O que estais lendo, meu Senhor?” Ao que Hamlet responde: “palavras, palavras, palavras”. Um aglomerado de palavras não é, necessariamente, um livro.  É bom que a fogueira das vaidades diminua suas chamas e a modéstia possa habitar as mentes dos que estão, a partir da tarefa delegada, incumbidos de  institucionalizar o Fórum, como elemento condutor de um novo tempo para a literatura cearense. Seja este ano de 2009, regido pelo sol, o astro a iluminar a nossa  equatorial terra comum e que, igualmente,  possa aquecer a imaginação de  todos os intelectuais e agentes da cultura,  encarregados da faina. Mãos à obra.

João Soares Neto

Publicado no Portal dos Amigos do Livro